sábado, 15 de dezembro de 2012

Carmem e o calendário maia.

Mulheres em San Juan Sacatepequez - plaza mayor
Quando morei na Guate um casal amigo tinha uma empregada muito querida, a Carmem. Aliás, no quesito empregada, todos nós - 4 casais made in Brasil - tivemos muita sorte, todas as que trabalhavam conosco eram educadas e atenciosas. Tanto que saía e entrava brasileiro na missão, e as nossas empregadas eram imediatamente passadas para os recém-chegados. Exceto a minha, que veio (na verdade voltou) com a gente pra terra dos tupiniquins. As guatemaltecas gostavam de trabalhar com a gente, diziam que nós, brasileiros, as tratávamos como gente, de igual pra igual. Verdade seja dita, brasileiro tem isso de não conseguir se manter numa relação puramente de trabalho, o emocional fala mais forte... nos apegamos e em dois tempos a pessoa passa a fazer parte da família. Bem típico. Pois bem... Carmem ficou por lá, trabalhou na casa de outros dois casais de amigos, estava na casa de um agora quando de repente, do nada... soubemos que faleceu, essa semana. A notícia da morte dela voou entre a pequena comunidade de brasileiros de coração chapín, e nos emocionou muito. 
Estava chegando em casa e teve um AVC, um estúpido AVC. Toda morte inesperada assombra. Uma morte sem justificativa como essa me deixa duplamente perturbada. Explico, nesse caso fico assustada por saber que em parte a culpa da morte foi do medo - verdadeiro pânico - que ela tinha do fim do mundo. Carmem, nascida e criada na Guatemala, de origem humilde... acreditava piamente que o fim dos tempos estava chegando, de acordo com o calendário maia. 
Não parece mas estão rezando dentro de uma Igreja Católica.
Aos que não sabem, a Guate é o berço, a sede da cultura e império maia. Sei que boa parte dos incautos (especialmente os turistas que um dia já botaram os pés em Cancún) acham que os maias eram mexicanos, erro grosseiro. A península de Yucatán e todo sul do México, assim como Belize eram parte da Guatemala antigamente, tudo aquilo tem influência maia, sim... mas não é nada comparado ao que se tem e se vê na origem, na terra chapin.  Lembro-me bem de comentarmos desse assunto lá, de conversarmos com ela e tentarmos explicar que nada daqueles temores tinham fundamento, mas qual... pelo visto de nada adiantou. A força da sua crença, da sua cultura e da sua noção de mundo, acabou por definir não só sua vida, mas também sua morte. Somos mesmo aquilo que pensamos, aquilo que acreditamos. Nada além disso. 

Carmem morreu de (e por) medo de algo que para muitos de nós (me inclua nessa) é uma brincadeira sem maiores consequências... mais um fim de mundo marcado em um calendário exótico.  Não sei se vou poder mais brincar com o calendário maia como antes... sempre me diverti com isso de ter sobrevivido a "mais um" fim de mundo anunciado. O mundo pode não acabar dia 21 de dezembro, mas os maias já fizeram uma vítima... a doce e elegante Carmem. Quantos mais não estarão lá sofrendo apreensivos por crer que seu mundo realmente vai se encerrar? Quantos irão perecer nos próximos dias pelo mesmo motivo? Incrível pensar nas consequências de algo assim... os chapines são muito religiosos, católicos fervorosos mas com toda bagagem maia incorporada no seu dia a dia, numa mixagem de crenças que conhecemos bem aqui no Brasil. Imagino que a situação tenha piorado ainda mais com os terremotos e temblores que aumentaram bastante nos últimos 3 anos, "anunciando" a chegada do fim.  
Deus  receba, acolha e proteja a Carmem. Amém.

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